O PATINHO QUE NÃO SABIA VOAR
RUBENS ALVES
Taco
era um patinho. Era amarelo e fofo como todos os patinhos, quando
acabam de sair dos ovos. Mamãe pata olhava feliz para Taco e seus nove
irmãozinhos.
Papai pato conversava com os amigos e dizia, orgulhosos que seus filhos
haveriam de ser lindos patos selvagens, capazes de voar longe, muito
longe livres...
Brincavam o dia inteiro, fazendo uma enorme gritaria, com toda a
criançada da vizinhança: os sabiás, os beija-flores, os coelhinhos.
E chegaram mesmo a ficar amigos de uns peixinhos, com quem gostavam de apostar corrida no ribeirão.
Tudo era só brincadeira até que o pai chamou todos os patinhos e, com ar muito sério disse:
-Chegou a hora de começar o treinamento para a liberdade. Taco
perguntou logo se liberdade era coisa de comer, se era doce ou azeda.
Nenhum patinho tinha ouvido esta palavra antes.
Papai pato deu uma risada e disse:
- Não, não é nada disto.
Liberdade é poder fazer aquilo que agente quer muito, muito mesmo. O
que as nuvens mais querem é virar chuva. Porque a chuva faz as plantas
brotarem.
E as nuvens ficam felizes quando viram chuva.
O que os sabiás mais querem é começar a cantar, antes do sol nascer,
aquele canto triste e comprido, que faz com que todos os bichos fiquem
felizes porque os sábias existem. O mundo seria tão triste sem eles...
O que os beija-flores mais querem é ser capazes de bater as asas tão
rápido, que ninguém vê, e ficar voando, parados, na frente das flores,
sugando o seu melzinho.
As flores sorriem para os beija-flores e os beija-flores sorriem para elas. E todos se sentem felizes.
O que as rosas mais desejam é tomar um banho de sol e espalhar o seu perfume...
E há um peixe que tem um desejo enorme de voltar às nascentes do rio onde nasceu.
E para voltar a este lugar encantado ele é capaz mesmo de soltar sobre cachoeiras...
-E nós, que é que nós mais queremos?- perguntou um dos irmãozinhos.
-Nós somos patos selvagens. Nosso maior desejo mais fundo, a coisa que
mais queremos , é voar. Voar alto. Voar muito alto.
Voes verão, quando crescerem um pouco mais. Vocês sabem o que é
saudade? Saudade é uma coisa que a gente sente quando alguém muito
querido partiu e está muito longe. Saudade dói. Às vezes a gente chora
de saudade. Pois bem: isto, que nós patos selvagens sentimos, se parece
com saudade. Do mesmo jeito que o peixe faz tudo para voltar ao lugar
onde nasceu, nós fazemos tudo para chegar às alturas. Nós nascemos para
viver nas alturas.
Lá
no alto é maravilhoso, continuou o pai. Ás vezes, de tarde, o sol vai
se pondo, escondendo-se atrás das montanhas. As nuvens vão ficando
vermelhas. Todos os bichos vão voltando para suas casas. As árvores, as
matas, as montanhas, o vento, tudo está quietinho. Como se estivesse
rezando. Só se ouve o flap-flap das nossas asas. E a gente sente que
aquele momento é a coisa mais bonita da vida inteira...
Taco desatou numa gargalhada.
- Que é isto, papai? Voar nestas alturas? Aqui embaixo está tão bom. Eu
não sei voar e não quero aprender a voar. Corro muito bem, brinco de
pique, sei nadar, me divirto á beça com a meninada... Que coisa mais
gostosa pode existir na vida?
Não existe nada que eu troque por uma brincadeira de esconde-esconde com os coelhinhos e os pardais...
O papai Pato parou de sorrir.
Seus olhos ficaram tristes.
Ele pensou antes de falar.
- Eu não queria falar sobre isto agora, porque é muito triste. Mas o
pato que não aprende a ser livre acaba virando pato doméstico.
- O que é isto, pato doméstico?- perguntou um dos patinhos com um bocadinho de medo.
- A gente fica doméstico quando arranja um dono.
- E o que é isso? – perguntou Taco.
-Entre nós, bichos, não havia dono. Ninguém era dono de ninguém.
Ninguém era animal doméstico. Foram os homens que inventaram isto.vieram
os homens com laços e redes e puseram os animais dentro de cercados e
os obrigaram a trabalhar para eles.
Os cavalos, em outros tempos tão orgulhosos e livres, correndo pela campinas, viraram bestas de montaria e de carga.
Não podem fazer o que querem porque os homens puseram freios nas suas bocas e apertam suas barrigas com esporas...
Ah! Como eles choram de noite por haver perdido sua liberdade.
Coisa parecida aconteceu com os cachorros, galinhas, vacas e bois,
continuou o
pai.
Não são donos dos seus narizes. Têm de fazer o que os homens mandam. E
quando não obedecem, apanham. Às vezes, quando não servem para mais
nada, são mortos para serem comidos como churrasco ou como galinha
assada. E a mesma coisa acontece com os patos que não aprendem a ser
livres. Acabam virando animais domésticos. Passam a ter um dono...
Os patinhos estremeceram. Mas o pai continuou.
- Os homens descobriram, depois, que eles podiam domesticar uns aos outros, também.
E passaram a fazer uns aos outros aquilo que tinham feito aos
animais. Os mais forte ficaram donos dos mais fracos. Os mais fracos são
obrigados a fazer a vontade dos mais fortes. E há homens e mulheres,
centenas, milhares, que passam a vida inteira sem realizar o seu desejo
mais profundo, aquilo que nos faz felizes. Só sabem fazer a vontade dos
outros.
Eles não aprenderam a liberdade.
Foram domesticados.
Taco, nesta hora, estava mais interessado em acompanhar o vôo de uma
borboleta. Foi quando um bando de pardais passou, fazendo algazarra, com
um convite:
- Vamos brincar de pega?
Taco, cansado com o “papo-furado’ do pai, saiu correndo e desapareceu.
Foi atrás dos pardais. Brincar na verdade, era a única coisa que lhe
interessava.
“Meu pai se preocupa demais com a vida” , ele pensou.
“Ainda há muito tempo. Depois eu penso nessa coisa chamada liberdade. A vida é muito boa...”.
Os outros patinhos começaram o treinamento.
Passavam horas a fio batendo as asas. Suas asas deveriam ser fortes
para voar por muito tempo. Aprenderam a respeitar fundo porque, para
voar nas alturas precisariam de muito ar. Seu pai lhe ensinou a voar sem
esbarrar uns nos outros. E assim o tempo foi passando. Ficavam
cansados. E tinham muita inveja do Taco, despreocupado.
O tempo passou.
O inverno foi chegando, aos poucos. O sol se escondia mais cedo. As
folhas das árvores começaram a cair. A comida foi ficando mais difícil.
Taco notou que não havia mais companheiros para a brincadeira...
pareciam que todos haviam se escondido. Bandos de patos selvagens
começaram a passar, voando lá nas alturas, perto das nuvens. Estavam de
viagem, indo para onde era mais quente, para onde havia mais comida. Ele
notou que sua família também se preparava para a viagem.
Chegara a hora que ele pensara nunca havia de chegar. E ele começou a
ter medo. Ele nunca havia treinado para ser livre. Nunca havia voado nas
alturas. Apalpou os músculos de suas asas. Eram fraquinhos,
murchos...mas era tarde demais.
Chegou o dia da partida. Toda a família se reuniu e veio a ordem:
- Bater as asas...
Todos começaram a bater suas asas para esquentar o corpo.
- Voar – grasnou o pai.
Todos se elevaram.
Menos o taco. Seu pai o viu, sozinho, no chão. Disse à mãe que continuasse.
Haviam de se encontrar depois.
Ele tinha de ficar para proteger o filho que não treinara para a liberdade.
Fez uma longa cursa e voltou.
Taco não conseguiu mesmo voar.
O remédio era ficar, na esperança de que conseguiriam sobreviver.
A comida faltava. O pai tinha que voar longas distâncias para buscar
comida. Aí chegaram os caçadores. Ninguém os viu. Só se ouvia o trovão
de suas espingardas, ao longe. Um dia seu pai saiu e não voltou mais. Aí
os caçadores apareceram, com seus laços e redes, em busca dos animais
que poderiam ser domesticados. Taco tentou fugir, nadando. Mas uma
grande rede redonda caiu sobre ele.
Foi levado para um sítio e bem tratado. A vida não era má. Ele tinha
milho a vontade. Mas uma de suas asas foi cortada para não voar. E foi
colocado atrás de uma cerca. Havia se transformado em um pato doméstico.
Foi engordando, engordando... Quando o inverno ia chegando, havia o
grasnar dos patos selvagens, voando lá nas alturas, brilhando sob a luz
do sol.
Foi só então que ele compreendeu o que seu pai lhe havia dito. Sentia
um desejo profundo, lá no fundo, coisa doída parecida com saudade.
Queria voar, voar com todos os patos selvagens.
Por um momento esqueceu-se de tudo. Abriu suas asas, bateu-as com toda a
força que era capaz. Chegou até a levantar os pés do chão. Mas era
inútil. Muito gordo, músculos moles, asa cortada. Era um pato doméstico.
O pato selvagem só vivia lá dentro do seu coração, como um grande desejo.
Duas grossas lágrimas rolaram pela sua face.
Mas elas não adiantavam de nada.
Nesta hora, abriu-se a porta do cercadinho e seu dono jogou um punhado de milho.
Mas ele não tinha fome.
Muito lindo mesmo Dirce,isto é uma lição de vida,não sei porque me lembrei de meu filho,que com 27 anos ainda não sabe voar,mas eu estou lá correndo com os caçadores e persistindo também num novo curso de graduação,para ele bater suas asas sozinho.
ResponderExcluirNotei que meu comentário foi publicado depois que coloquei as letras da palavra chave,no meu blog não acontece isto,lá os comentários são enviados por email,para eu moderar.Sabe como fazer para o meu ficar igual ao teu?
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